terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Sol

Luz Ultravioleta. Soa bonito. Envelhecimento precoce: feio. Câncer de pele? Muito pior. O que têm estas palavras em comum? O Sol. Acho que as pessoas sabem desta correlação, mas poucas se preocupam com ela.
Ninguém quer ficar muito tempo longe do sol. Ninguém gosta de ter um céu sempre encoberto. Há os que se sentem deprimidos quando os dias passam assim. Todos aplaudem o verão. E o brasileiro, óbvio, tem o seu lado tropical na alma. Alias, todos os homens em todos os tempos veneraram o sol que, para alguns povos, era deus. 
O sol, responsável pela vida na terra faz, com sua luz visível, crescer as plantas e os fitoplanctos no mar. Assim produz-se vida vegetal, oxigênio, alimentos e, por consequência, vida animal. Estamos aqui só por causa do sol.
Por causa do sol, ficam os astrônomos à procura de outros planetas - um corpo celeste girando em torno de uma estrela - em um sistema desses poderia existir vida. Vida - este misterioso, maravilhoso, raro, senão único acontecimento em milhões de galáxias, não necessariamente explicado pela crença em deuses, mas com certeza pela crença nos fenómenos estelares. Neste ponto é até simples: as estrelas são magníficas usinas de energia e matéria, resultantes de fenómenos bem conhecidos - a fissão e fusão nucleares. Na fusão formam-se elementos maiores, mais pesados, a partir do elemento mais simples da natureza: um gás levíssimo - o hidrogênio cujo nome lhe foi dado porque gera água ao se combinar com o oxigênio. É a fusão nuclear que cria os pesados e complexos elementos como carbono, ferro, oxigênio e tantos outros, imprescindíveis a vida e que, ao se combinarem, resultam moléculas simples mas essenciais como a água e bilhões de outras e, por obra dos seres vivos, moléculas complexas como os carboidratos, gorduras, proteínas, enzimas, ácidos nucléicos!
Falamos tudo isto apenas para voltarmos ao sol e para lembrarmo-nos, poética e efetivamente, que somos, em última análise, o produto de fornos estelares! O resultado da luz e da fusão nuclear no sol e de talvez de outros distantes sóis. O sol, criador de matéria da vida, fonte de energia e da maravilhosa luz visível, aquela que obviamente nos faz ver, luz que é fundamental para o estímulo ao nosso sistema imunológico, e para a formação pela pele da vitamina D responsavel pela absorção do cálcio e consequentemente pela resistência dos ossos - tem também perigosas e invisíveis luzes - a infravermelha - que causa queimaduras e a ultravioleta que dá câncer de pele, envelhece, afeta os olhos. Elas estão presentes inclusive nos dias nublados e em algumas luzes artificiais como as das lâmpadas fluorescentes.

Por que afinal a luz ultravioleta (UV) é perigosa aos olhos?  A luz UV pode causar degeneração macular, doença que nào tem tratamento efetivo. Compromete a parte mais importante da retina (aquela responsável pela visào de detalhes e de cores.  Causa ainda lesão nas lentes oculares: 1. Na córnea a exposição inadequada ao sol provoca- nos uma afecção muito desconfortável e comum, com sensação de areia, olhos vermelhos e intolerantes à luz - irritados, como se diz. Sob a ação da exposição crônica à luz UV, pessoas que são geneticamente propensas têm pterígio (do grego: asinha) - uma membrana cônica avermelhada que sai do canto do olho, começa  cobrir a córnea, causa distorção importante nesta refinada lente e é feio. O pterígio rouba a beleza dos olhos, e  perturba o magnetismo do olhar. 2. No cristalino o prejuízo é maior: catarata - a nossa magnífica lente intra-ocular perde, com a prolongada exposição à luz ultravioleta, o seu caráter mais peculiar e que lhe deu o seu bonito nome. Torna-se manchado, e depois totalmente  opaco. A catarata é a maior causa de cegueira no mundo (reversível, com cirurgia). 
Está comprovado que a incidência de catarata é seis vezes maior nas pessoas expostas, sem proteçào à luz ultravioleta.   
  
Usemos pois proteçào solar: filtros para pele, chapéu, boné, óculos de sol!

Se o uso de óculos solares é corriqueiro, seja pelo conforto e proteçào que oferecem, seja por uma questão fashion (como gostam de falar os deslumbrados com com anglicismo e outras estrangeirices), nào nos esqueçamos jamais de proteger também os olhos das crianças, muito mais sensíveis à luz UV do que os adultos, por dois motivos: o cristalino nas crianças suporta menos essas radiações e elas estarão naturalmente muito mais tempo expostas aos seus efeitos deletérios cumulativos.

Mas como é que se pode ficar com a cor que só o sol nos dá? Acho que você está querendo lembrar-se da palavra que vem de um costume tão velho quanto o uso daquela liga metálica que, antes do alumínio, do aço inoxidável, do plástico e do titânio estava em todos os objetos e que desde aquele tempo empresta seu nome para definir uma bela cor humana - o bronze.


Infelizmente, meus amigos, bronzeado não é mais fashion.


                     Dr. Matta Machado
                         Oftalmologista

sábado, 27 de novembro de 2010

Em se tratando de motocicletas

Longa e cansativa  viagem de motocicleta. Devagar cruzava  uma pequena cidade.  Vi um menino que corria ao meu lado. Magro e esperto, rosto sardento, perguntava-me algo. Gritava insistente. Parei para entender aquela fala   difícil:  Quanto ela corre, quanto ela corre? – Ofegante, queria saber! As motocicletas encantam   as crianças. Por que? Perguntei-lhe o  nome. Disse-lhe: João Branco, é justamente sobre uma moto  que   quero lhe falar.   De uma Jawa, estacionada na porta  da casa do tio Doca, em minha terra, Santana dos Ferros,  Minas Gerais. Passava horas assentado em seu selim a desejar uma voltinha  que fosse, pelo menos na garupa! Pena que isto era um privilégio que aquele tio  só reservava para gente grande,  de preferência às moças bonitas! Mesmo assim eu era capaz de brigar com a meninada da rua se eles dissessem que  ela   não agüentava subir uma ladeira qualquer. Era ofensa pessoal. Contei-lhe mais: que gostava de imaginar como  aquela moto era rápida. Desconhecia então uma grandeza chamada quilômetros por hora. Só fazia de conta que corria  e era ótimo andar naquela motocicleta parada!   E quando quis saber de sua opinião sobre motocicletas, ele saiu  rindo e correndo. Quem sabe imaginando-se também numa delas.


Comprei uma motoneta aos quatorze anos. Uma Gullivette de cinqüenta cilindradas. Trabalhava nos Correios durante o dia; o cargo se chamava Mensageiro. Organizava, para depois entregar telegramas, cartas, encomendas e  jornais. À noite estudava no Ginásio Ferrense.  Comprometi nesta compra todo o  dinheiro de um ano do trabalho, que me ocupava das 8 às 18 horas. Com o pagamento das prestações, não sobrava nada do  meu salário,   sequer para um litro de gasolina. Para ter o prazer de abastecê-la com a mistura de gasolina  e óleo, de cuja fumaça saia um cheiro, para mim perfumado, socorria-me a sempre pronta e generosa D. Stella, minha mãe.


Nas horas de folga  a comprida cidade parecia curtinha naquela Gullivette. Visitar   duas vezes ao dia a casa do Vovô era uma importante rotina. Lá eu nunca deixei de ser um príncipe. Nas praças,    rodeadavam-me pessoas que, no máximo, tinham uma bicicleta. Orgulhoso, respondia às questões relacionadas      à performance daquela pequena máquina   e descrevia   o sentimento de liberdade e as aventuras     de      percorrer belos caminhos,   subir e descer morros, contornar as montanhas verdejantes que guarnecem o vale do Santo Antônio. Explicava como devia prestar atenção a detalhes até há pouco inimagináveis, a potência e  regularidade do motor: vertiginosas e freqüentes rampas o exigiam ao máximo. Para não ficar a pé na estrada, a autonomia de combustível devia ser sempre levada em conta.   A regulagem e eficiência do farol eram decisivas para o retorno noturno.   Frear na medida exata para evitar obstáculos, para não derrapar e cair  em curvas que são uma atrás de outra. Pilotar rápido na terra, desviando aqui, ultrapassando ali. Umas pedras  soltas, um fofo de poeira que afunda as rodas, uma traiçoeira descida encascalhada, um carro doido pela frente. Um Jeep em disparada  podia acabar com tudo agora, na poeira e no sangue! (não imaginava que o doido talvez fosse  eu). Agindo como malabarista, criei e preenchi esse espaço físico e mental cuja descrição parecia distrair os meus amigos.  


Viajar por viajar. De uma hora para outra, sem que nem prá que, pegar a estrada de terra. E mais tarde apear em frente a uma venda de onde saiam aqueles cheiros misturados:  fumo de rolo e cachaça,   toucinho de porco extendido num taboleiro,   bacalhau pendurado, banana madura, gente suja, dinheiro velho,  esterco e urina de animais de sela amarrados à porta. Entrar,  dizer  oi , pedir um guaraná ou comprar alguma utilidade incomum. Era um prazer observar aquele comércio, aquela gente. Entabulava  uma conversa: tanto faz se com adultos, crianças, rapazes ou moças.  Para quem acha que ter uma motocicleta é interessante,    viajar com ela então?... Que formidável  aparecer naquela condução exótica.   Sentir-se   reparado com admiração e surpresa.   Numa época e num lugar em que biciletas eram incomuns e motocicletas  raras, podia se lembrar do faroeste, dos livres "cowboys". Ao subirmos na moto para o retorno solitário já somos o próprio.


De outra vez,  chegar  à fazenda da tia Néli, numa cândida e inesperada visita.  E insensato, recusar estender a  permanência por umas horas a mais, ficar para o jantar ou por uma noite. Havia pressa de, não se sabia para que,  voltar. Entra-se à noitinha em Ferros que ainda tem nas calçada de pedras de suas ruas, parte do calor do  ensolarado dia que se foi. Mais: agora a calorosa recepção  da dona Stella. Um dia todo de aventuras para  finalmente poder dizer: minha casa é o melhor lugar do mundo! Minha mãe é a melhor pessoa que existe. Este tipo de vida, durante a adolescência, não deixava muito espaço para pensar em outras coisas, talvez muito mais importantes: estudar, ler, dançar, nadar, namorar... A motocicleta absorve todo o espaço, todo o   tempo, todos os outros interesses. A gente que sofre deste mal só pensa em rodar, rodar, rodar: nas cidades, nas estradas, nas trilhas! 


Mas, e se agora não era a boa hora de sair, de passear, mas a de encontrar os defeitos da motoneta e se não haviam lá oficinas mecânicas e era desesperador imaginar aquela moto encostada, em pane permanente e insolúvel, alguém  tinha que consertá-la. Ela não podia parar! Lutar contra um motor que teimava em não pegar,   preocupar-se com a falta de uma peça vital, vendida não se sabia aonde. Como conseguir uma ferramenta, uma chave  tubular com que se abriria o cabeçote para descarbonizar o motor? Hora de montar e desmontar mil vezes o  carburador, a vela, o magneto. Regular o platinado e o ponto de ignição. Ou simplesmente consertar pneus,  furados pelos pregos caídos nas ruas. Com   curiosidade, determinação e   esforço    tornei-me, de verdade,     mecânico  de motocicletas. Resolvia os problemas e, estranho, a gente vai tomando gosto com essa lida. Trabalho frequente  era a limpeza e lubrificação da corrente e suas engrenagens. Só tinha poeira onde eu me metia com minha  Gullivette... E tive   as unhas sempre  tão sujas do preto da graxa queimada e as mãos fedidas de gasolina que, uma namoradinha, ao se despedir de mim, mudando-se de cidade, disse:  - Quando eu passar perto de um posto de  gasolina, sentirei uma saudade!...


Graças às motocicletas, adquiri novas e preciosas amizades. Lembro-me do Didier Calegari,   o mais  inteligente mecânico de caminhões e dos muitos Jeep da cidade. Jeep que era o único carro a enfrentar os  incontáveis atoleiros e escorregadias estradas.  Sem eles, ficariam as cidades, isoladas por  semanas, à época das chuvas. Didi, como era conhecido, diagnosticava os defeitos dos motores pelos ruídos que  deles saiam no escapamento onde  costumava encostar o ouvido antes de abrir o capô. Alto, claro,  magro,  um pouco corcunda, de cabelo castanho escuro, penteado para o lado,   bigodes grossos. Jeito desconfiado e triste. Por sermos vizinhos, porque   me ajudava a resolver muitos problemas da Gullivette, foi surgindo uma    afinidade, uma boa amizade entre nós. Ao  ver-me, esboçava um meio sorriso sem graça e um olhar atento. 


Da Gullivette passei para muitas outras máquinas com as quais tenho alimentado a minha fome de horizontes e minha  curiosidade por pessoas. Lembrar-nos-emos   de lugares   onde o  meio mais indicado para se chegar  é a  motocicleta. Pelas regiões montanhosas deste país, há trilhas em que só se passa  andando,  montado em animais  ou em motos. Levam a  vilarejos isolados, perdidos, onde moram gente simples e gente boa.
 
A motocicleta talvez seja o veículo mais versátil que exista. Como um pequeno avião, é máquina que poderosamente  exercita o nosso apego à liberdade. A comparação com o avião é própria: vão a qualquer lugar e necessitam de  pilotos. Assim como o piloto de avião, deve o motociclista integrar-se com precisão a todos os comandos, manter  vigilância a sua volta, antecipar decisões, ter procedimentos padronizados e normas de segurança. Há que, como se  diz, vestir a máquina. O motociclista, ou melhor, o piloto, precisa se integrar à motocicleta como se ela fosse a  extensão de seu próprio corpo. E integrar-se com o ambiente que o circunda. Inclina-se no ângulo exato para  velocidades cada vez maiores nas curvas, freia-se na hora certa, na intensidade certa, na roda certa, Acelera-se  na potência exata. Desvia-se com precisão do mau caminho. Isso é pilotar e dá muito prazer! Porém,a motocicleta, numa  escala bem maior do que o avião, coloca-nos em intimidade com a natureza. O zunir do vento em sua turbulência pelo  capacete, (nas aeronaves antigas voava-se   também exposto); as paisagens mudando vagarosa ou rapidamente,  veem-se em cento e oitenta graus. O sol nos queimando através da jaqueta preta de couro, ou dourando a pele, no  mais perfeito bronzeado, que surge quando a gente se despe e viaja longas horas ao sol. A chuva fria, traiçoeira,  tantas vezes inevitável. Os ares que se alternam em poucas horas e até mesmo no mesmo minuto, em elevações  diferentes,  quentes ou gélidos. As noites, as madrugadas de frio intenso que chegam a ser tão terríveis que não  há agasalhos e luvas que resolvam. Os insetos com seus odores   repugnantes, explodindo no  capacete, nos óculos; ou silenciosamente nas mangas do casaco. Os perfumes oferecidos por pequenas matas ainda não devastadas de algumas inesquecíveis estradas e trilhas. Somos a natureza.


Quem viaja de motocicleta sabe que a habitual cordialidade dos caminhoneiros passa longe  de quem está de carro.  Isto porque tratam-se de solitários viajantes, um que sinaliza  ao outro. Se tivessem um rádio, àquela hora e naquele lugar, certamente o melhor a acontecer seria uma  rápida conversa, uma troca de informações, tantas vezes importantíssimas. Condições da estrada, acidentes,  necessidades pessoais, advertências...    Aquele pisca-pisca, aquele acenar de mãos e a buzinada são, porém, tudo.  E por serem amantes da liberdade, tornam-se cordiais intuitivamente, como uma homenagem ao piloto e seu muito  rápido veículo, que num instante, em sua imaginação, o levará ao seu destino. Enfim, porque se trata da única  máquina que é capaz de ultrapassar os, por eles, detestáveis automóveis. 


Há grupos de motociclistas  que seguem   para um lugar   bem distante  onde centenas de outros se encontram. Famosos e frequentes,  acontecem   nos Estados Unidos, com as Harley Davidson, ou na Europa, ínclusive  com as muito queridas e  velhas Vespas. Menos comum é um casal viajando sozinho. Raro é viajar só. Durante trinta anos fui um motociclista solitário.  Pode ser arriscado viajar sozinho.  Se surge uma pane,   é ruim esperar    por um socorro incerto.   Há perigos de acidentes. Só ou acompanhado eles acontecem. E podem ser  graves, podem ser fatais. Um motociclista experiente não desconhece perigos e está disposto a serenamente  desafiá-los, com prazer e sem aprensões! 


Pois se for a liberdade o que valorizamos mais, é sozinho que haveremos de partir. Escolha a hora, a rota – tantas vezes “no estalo” – as paradas, os desvios, o destino, a hora de voltar. Talvez não se queira voltar. Sem destino? É preciso falar novamente em liberdade: sentir o que é atravessar longos e desérticos caminhos, noite a dentro, madrugada a fora, sob a luz do luar e à sombra das silhuetas de árvores, tendo como  únicos companheiros o barulho do vento e seus pensamentos! Fuga? A filosófica e bíblica pergunta, quo vadis, aqui não precisa ter resposta. Já me vou. Ninguém sabe para onde e nem eu talvez saiba. Não quero saber! Adventure.  O importante não é para onde ir, mas apenas ir... Matar talvez as saudades de um lugar onde nunca se foi!


Se a motocicleta é assim mesmo, tão simpática e extraordinária, o que fazer para que a convivência com ela seja  duradoura e confiável? Há muitos anos tive de encontrar a fórmula. Ou não estaria aqui: direção defensiva. É usar  ou quebrar-se. Direção defensiva, agora todos sabem, é um dos principais pilares da direção segura, tanto de moto  como de carro. Mas, de carro eu não gosto. É muito perigoso! 




                                                                               





















domingo, 14 de novembro de 2010









Catecismo


Preguiçosa e morna tarde ferrense.
Uma criança   estava entusiasmada:   vinda de Belo Horizonte, sua tia chega para uma visita. Hoje,  por isto, teria em casa, mais   pastéis de queijo e de carne. E não há nada mais gostoso do que os pasteizinhos que a mãe faz, servidos com café bem fraco e doce. Se pudesse, comia uns mil.
– Vamos à igreja. – Chamou tia Terezinha. Como não tinha este costume, achou péssima a idéia. Ainda mais àquela hora: quatro da tarde, hora boa de brincar de carrinho, de ir pra beira do rio, ou para passear na casa do seu avô. Mas, ir para a igreja? Não teve jeito, cordato que era, foi caladinho.
Ao entrar e ver que, por dentro, aquela   pequena igreja era  clara, bonita, ampla, muito limpa e enfeitada com vasos de pequenas flores brancas, começou a se sentir bem. Transcorria  na metade uma aula proferida solenemente pela Naná do Moreira. Às tantas crianças ela explicava um mistério de Deus, a onipresença:
– Lá no quintal, junto aos carneirinhos, Ele está. Na casa de vocês, Ele está. Na beira do rio. No alto das serras. Aqui na igreja. Na rua.  Na escola. No coração de cada um de nós!
– Manoel, quantos deuses há? - Por que logo ele foi premiado com a pergunta? Mal acabara de chegar e teve que responder de pronto:
– Mil!
E mil, para ele, era a maior de todas as grandezas. Surpreso e confuso, chocado pelos risos  que sentia quase como um deboche,  teve ainda que aturar uma  vergonha danada quando a indiscreta de sua tia Terezinha, ainda rindo, contou aquela proeza à sua severa mãe. Boba ou engraçada, detestou   ser o autor daquela piada. 
Talvez por nunca mais ter ido a catecismo algum, jamais soube a resposta àquela pergunta.