domingo, 14 de novembro de 2010









Catecismo


Preguiçosa e morna tarde ferrense.
Uma criança   estava entusiasmada:   vinda de Belo Horizonte, sua tia chega para uma visita. Hoje,  por isto, teria em casa, mais   pastéis de queijo e de carne. E não há nada mais gostoso do que os pasteizinhos que a mãe faz, servidos com café bem fraco e doce. Se pudesse, comia uns mil.
– Vamos à igreja. – Chamou tia Terezinha. Como não tinha este costume, achou péssima a idéia. Ainda mais àquela hora: quatro da tarde, hora boa de brincar de carrinho, de ir pra beira do rio, ou para passear na casa do seu avô. Mas, ir para a igreja? Não teve jeito, cordato que era, foi caladinho.
Ao entrar e ver que, por dentro, aquela   pequena igreja era  clara, bonita, ampla, muito limpa e enfeitada com vasos de pequenas flores brancas, começou a se sentir bem. Transcorria  na metade uma aula proferida solenemente pela Naná do Moreira. Às tantas crianças ela explicava um mistério de Deus, a onipresença:
– Lá no quintal, junto aos carneirinhos, Ele está. Na casa de vocês, Ele está. Na beira do rio. No alto das serras. Aqui na igreja. Na rua.  Na escola. No coração de cada um de nós!
– Manoel, quantos deuses há? - Por que logo ele foi premiado com a pergunta? Mal acabara de chegar e teve que responder de pronto:
– Mil!
E mil, para ele, era a maior de todas as grandezas. Surpreso e confuso, chocado pelos risos  que sentia quase como um deboche,  teve ainda que aturar uma  vergonha danada quando a indiscreta de sua tia Terezinha, ainda rindo, contou aquela proeza à sua severa mãe. Boba ou engraçada, detestou   ser o autor daquela piada. 
Talvez por nunca mais ter ido a catecismo algum, jamais soube a resposta àquela pergunta.



Um comentário:

  1. No budismo tibetano o número "dez mil" é usado para significar o inumerável, o inominável, o infinito.
    Mais uma vez fica claro que CRIANÇA SABE. Nós, oa adultos, cheios de certezas fixas, é que nunca estamos preparados para compreender e decodificar a luz que permeia a simplicidade infantil. A resposta do Manoel deveria ter sido incorporada ao catecismo. Talvez ficasse mais claro para as outras crianças a noção de Deus.

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