domingo, 9 de janeiro de 2011

Ladrões de Galinha

          Nunca pude ingressar no seleto, especializado e secreto grupo dos ladrões de galinha. Isso dava-me uma ponta de frustração; conformada, mas uma ponta. Jamais seria aceito por aqueles caras.
          Acontece que fui ganhando, sem querer, a fama de menino obediente, certinho, honesto, exemplar. E cada vez me via mais afastado das pequenas transgressões, seja por policiamento externo, seja por auto-censura.
          Uma só vez, nem sei por que, vi-me no covil dos bandidos. Olhei em volta com surpresa e admiração: lá eles estavam, senhores de si, sendo o Sérgio o líder daquela temida quadrilha. 
          Sobre a rústica mesa haviam ainda alguns pedaços. Nada me ofereceram, mas experimentei. Como especialista, não em roubo, mas em cozinha e sabores, pude  logo sentenciar: era a mais   gostosa, apimentada  e colorida galinha com arroz  que jamais provara! Além de surpreso,    estava  intrigado. Muito mais do que fome de galinhadas, poderiam a impunidade, a adrenalina,  o sadismo, perpetuar essas violações?  Será o fato de a galinha ser roubada que a fazia tão boa? Seria apenas sugestão psicológica? Não. Eram  método e tecnologia mesmo! A começar pela criteriosa escolha: saúde, porte, raça, forma e vitalidade do exemplar. 
           A altas horas, uma, duas vezes por semana,  o grupo de moleques entrava no quintal da vez.  Não havia como interromper esses furtos,   por  mais rotineiro que  se tornassem.       Não sei se usavam lanternas.   Olhos de águia, sim. Com eficiência de profissionais,  agilidade de gatunos   e critério de granjeiro, escolhiam a mais formidável galinha daquele puleiro. Ela morria na hora, sem dar um pio, porque seu pescoço fora pronta e gentilmente torcido. Do quintal ao covil era questão de minutos. Mergulhada em água fervente, depenada, sapecada,  aberta e tratada,    ganhava depois    os refinados temperos. O magnífico fogão era outra história: uma forja que atiçava chama de carvão, por meio de uma turbina girada com toda velocidade pelo cozinheiro, de tradicional e reconhecidíssima   família de gênios do forno e fogão.
          Tinham alí  uma oficina de carros transformada, àquelas horas, em cozinha e original ambiente para as reuniões. Lá preparavam e festejavam a ceia. Imaginei mais tarde que aquelas rodas poderiam inclusive ser regadas  a  cachaça.  O que seria também uma explicação para a coragem e determinação do grupo.
          Mas nem tantos quintais haviam em Ferros, a sustentar por meses aquelas farras.
          Assim, certa noite, viu-se o Sérgio no constrangimento de conduzir seus amigos ao quintal do Vovô. Seria, para ele, com certeza terrível roubar aquela casa onde ele era tratado como príncipe, onde quase todo   dia ele almoçava, jantava ou comia quitanda. Onde era prato freqüente o franguinho com quiabo e angu. Que fazer? Era dever do ofício. Naquela noite havia de ser na casa do Vovô. Do respeitado, temido Vô Zorô.
          Pois foram, depois de assaltar com sucesso e sigilo dezenas de casas, dar de cara com o Vovô, armado com seu sono leve, seu apurado ouvido, seu tremendo senso de propriedade e sua inseparável pistola Browning, apontada para eles.
          Constrangedora surpresa:  Você, Serginho?

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